sábado, 17 de julho de 2010

Me Trate Mal



Recentemente terminei a ótima leitura Treat me Like Dirt, mais um livro sobre música nos moldes do Mate-me Por Favor. Para quem não conhece, todo o texto do livro é baseado na edição de entrevistas feitas pelo autor pos pessoas que estavam lá e participaram daquilo, no caso, os músicos, jornalistas, promoters, fãs etc. Parece ter virado um padrão editorial para livros que tratam de música, nada contra, na verdade gosto muito do formato e funciona. Este livro trata especificamente da primeira geração do punk (76-81) de Toronto. Gosto muito da sensação de estar “abrindo uma nova porta” e me contextualizando com nova música que eu não conhecia antes, e como sempre achei novos favoritos e algumas coisas não tão legais.

A leitura vale até para quem não se interessa tanto por música, no fundo é uma história com muito drama, treta, facada, coisas engraçadas, e uma visão de como um momento cultural surge do nada, passa rápido mas muda uma cidade.

Diodes - Os Diodes são os Ramones de Toronto. É meio genérico falar isso de quase qualquer banda punk, mas os Diodes SÃO os Ramones, tem um som parecido e até o vocal em alguns momentos lembra o do Joey – na verdade se definiam como uma mistura de Ramones e The Clash, dá para perceber que eles tinham mais preocupação com harmonia (especialmente nos backing vocals) que acabava aproximando eles de fato. Derivativo? Sim, e isso é ponto negativo, mas derivativo muito bom e não completamente sem originalidade. Só escutei o primeiro disco (e viciei nele), se fosse um disco do meio da discografia dos Ramones hoje estaríamos listando ele como um dos mais legais. Sofreu bastante preconceito por ter suas raízes no mundo da arte (Faculdade de Arte de Toronto para ser exato) e não na rua, além de ter tido relativo sucesso comercial, mas sinceramente é talvez a primeira banda de punk verdadeiro da cidade, vou citar bandas mais velhas mas que possuem a raiz mais rock and roll do que punk na prática. Ah, e era a melhor banda. Na verdade a relação principalmente entre os Diodes e o The Ugly serve de reflexão de como o punk de forma geral (não só em Toronto) começou como um movimento de gente muito inteligente posando de adolescentes estúpidos e em determinado momento começou a atrair adolescentes estúpidos de verdade, que é quando perde a graça. Dizem que nos próximos discos ficaram mais pop/new wave, ainda não conferi. Mas se for escutar UM disco de punk de Toronto, fique com o The Diodes.

Teenage Head – é talvez a banda mais velha que tem ligação direta com o som punk de Toronto, é “punk” no sentido de fazer um rock and roll diretão na veia do que o que entendemos como punk de fato hoje, pense em Stooges e New York Dolls. Como passaram dois anos trancados na garagem antes de tentar fazer qualquer outra coisa tinha a fama de ser a banda que sabia tocar, e realmente é a que tem o som mais bem feito (sem punhetagem). Muito legal também e imagino que vai pirar demais quem tende a gostar de rockabilly. A coletânea deles é disco que dá para deixar rolando inteiro em festinha.

Viletones – do ponto de vista comercial era a que menos avançou (99% por causa de auto sabotagem – os caras literalmente mandavam as gravadores irem se fuder e jogavam cadeiras nos executivos) e é sem dúvida a banda mais legal de ler sobre, apesar de não ser a que mais me empolgou musicalmente. Esses eram os caras que queriam ser mais punks que os outros punks. Foram genios da publicidade – arrumaram umas jaquetas de couro escritas Viletones atrás antes de ter sequer uma música e saiam pela cidade arrumando brigas aleatórias, o nome espalhou (achavam que era uma gang) e no primeiro show já lotou de gente. O vocalista Steve Leckie é a figura mais bizarra do livro, morava na rua, se cortava no palco com caco de vidro, incitava a platéia a quebrar o lugar, mandava bater em hippies (e batiam), usava o nome de Nazi Dog, basicamente fazia qualquer coisa para mostrar que era mais punk que você – e de forma calculadíssima e até um pouco artificial. O som é aquele punk sujo básico sem muito o que acrescentar, não é o pior que já ouvir mas dá para viver sem. Mais legal ver os shows caóticos deles no YouTube. Não era burro, mas era manipulador e ao mesmo tempo em que era muito true – o cara morava na rua pô – era um bocado poser. E também foram os responsáveis por contaminar os show com muita violência e atrair gente sujeira de verdade, o que na verdade contribuiu para acabar com todo o negócio.

The Ugly - foi uma espécie de Viletones tardio com pessoas mais extremas e o som muito melhor, mas eu não consigo escutar uma banda sabendo que estou ouvindo um cara que invadia a casa de pessoas e estuprava quem estava lá dentro.

The Curse – primeira banda punk de mulheres de Toronto, umas mulheres bem sujonas e podronas, moravam com os caras do The Ugly. Eu tinha uma fita cacete de uma banda punk de mina de BH chamada Histerical Pussy que dava a impressão que a gravação era a primeira vez na vida que cada uma via seu respectivo instrumento. The Curse é tipo isso daí. Existe uma linha frequentemente cruzada no punk entre fazer um som simples e direto e simplesmente não saber tocar porra nenhuma. As pessoas que cruzam essa linha são as que não entenderam nada.

Forgotten Rebels – punk 77 do melhor e com letras chocantes (tipo afundem os barcos dos imigrantes) porém feitas para serem absurdas e sarcásticas. Nego já foi preso e interrogado tendo que responder se não pertencia a nenhum grupo revolucionário radical. Veio um pouco tarde mas perigou tomar o posto dos Diodes na minha opinião.

Ah, e detalhe: Fucked UP (de Toronto) é a única banda punk da atualidade que vale a pena.

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