quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Da Série Random Music - Tudo Tem Que Ir

Em 1986 o país de Gales estava sendo sacudido por uma nova banda que funcionava como uma espécie de novo Sex Pistols (mas formado por moleques fãs de Guns And Roses). Apesar do visual e atitude glam (diziam que o Apettite for Destruction é um dos melhores discos da história) a banda chocava todo mundo ("eu ri quando John Lennon tomou um tiro"), tocava shows de 20 minutos onde provocava a platéia e frequentemente saía quebra quebra - lembrando o Jesus And Mary Chain - e planejava lançar o primeiro disco em uma embalagem que estraga vinil com o tempo e corrói os outros discos que forem colocados perto dele. Resultado: manipulavam a mídia, que adora esse tipo de coisa escandalosa; chamavam muita atenção para si; e conseguiram um culto de fãs pequeno mas fanático. Foi nessa época que aconteceu a lendária entrevista em que a NME perguntou para o guitarrista Richey se a banda era picaretice e ele escreveu "4 REAL" bem grande no braço. Com uma faca. Esses são os Manic Street Preachers.

O primeiro disco não vendeu bem (Generation Terrorists), segundo eles porque não era "tão bom quanto Guns And Roses". O segundo disco (Gold Against The Soul) ficou menos glam e mais grunge, menos festa e mais introspectivo, e até que foi bem. Mas até aí a banda não era nada de especial. Porém, no âmbito pessoal, atravessava um período comparável ao que fez o Kurt Cobain gerar o In Utero (para mim o melhor disco do Nirvana), especialmente o guitarrista Richey: drogas, anorexia e auto multilação. Vivia com uma maçã por dia. E escreveu um disco com a visão pessoal e política de mundo dele e dos outros membros da banda que foi tão brutalmente honesto, direto e frio (assim como o In Utero) que foi além de tudo que a banda era. Transcedeu o rock. Aliás, transcedeu a música com o tipo de obra que atinge as pessoas em um nível tão direto e intenso que passa a ser algo mais. E isso tudo numa embalagem pop feliz que ao ser ouvido sem atenção não revela o que está por baixo.

Esse disco é o The Holy Bible e para mim é um dos melhores discos da história do rock. E com certeza um dos mais dark. Nessa época a banda largou o visual rock e começou a tocar vestido de soldado. O som virou outra coisa, a banda se mostrou realmente "4 REAL". E não vendeu quase nada e nem chamou atenção (nem foi lançado nos EUA). E durante essa época o guitarrista Richey desapareceu. Seu carro foi encontrado na beira de um rio. E o corpo não apareceu até hoje.

A moçada poderia ter acabado, ou chutado o balde, ou perdido o que os faz bacanas. Em vez disso, incorporou a experiência, continuou na onda de honestidade brutal, jogou o som mais ainda para o lado do pop - mas pop excelente com pé no punk e letras políticas incendiárias - e fez um dos 5 melhores discos do britpop (e com certeza um dos que estabeleceu esse som), o Everything Must Go. Basicamente quem conhece o Manic Street Preachers normalmente os conhece através deste disco e se assusta com o quanto eles conseguem ser dark e diretos quando escuta o Holy Bible. Ou conhece através do Holy Bible e se assusta com o quanto eles conseguem fazer pop sereno, bonito e perfeito (mas ainda assim incendiário) quando escuta o Everything Mus Go. São como se fossem duas bandas diferentes. E duas bandas maravilhosas. E continuaram sem deixar a peteca cair, até pelo menos o disco Know Your Enemy.

Essa é a chave para entender os Manic Street Preachers. Primeiro, é uma das melhores bandas da década de 90. Segundo, é música que tem duas camadas simultâneas, e isso provoca um efeito muito estranho em quem está escutando: se focar no som superficial, é uma excelente banda pop com um som quente e bem feito bem na linha de frente das melhores bandas indie da década de 90. Se você aprofundar um pouco, vê que as estruturas não são tão sólidas e óbvias, mas aquele som pop esconde muita instabilidade e fogo de uma banda que apóia visões políticas radiciais e levou um estilo de vida extremo e passou por tudo. É como se fosse pessoas muito inquietas se esforçando para se segurar para tocar por alguns minutos naquele palco.

Pena que para mim a banda tem perdido o fogo. Os últimos dois discos (Lifeblood e Send Away The Tigers) tem mantido o talento para o pop, mas tem perdido essa intensidade que existia antes. Mas de qualquer maneira não deixe passar essa banda. É só para quem AGUENTA A TRETA. Embora não pareça.

Comece por - The Holy Bible
Um dos melhores discos do indie dos anos 90 - The Holy Bible
Escute na sequência (depois do Holy Bible) - Everything Must Go e This Is My Truth Tell Me Yours
o disco épico deles - Know Your Enemy
Não comece por - os dois primeiros nem os dois últimos

Um comentário:

Luiz Augusto disse...

Já escutei aqui de bobeira (ainda graças a ter copiado o seu iPod)e achei doido, mas não aprofundei muito. Escutarei mais.

Ou, esses dias conheci a Gogol Bordello, tô achando divertidasso!