quarta-feira, 30 de abril de 2008

Da Série "Minha Ilha Deserta Privativa" - You're one microscopic cog in his catastrophic plan

Assim como o Radiohead, eu tenho uma certa dificuldade de falar de Nick Cave. Um, porque gosto quase tanto quanto; e dois, porque é difícil mesmo. A figura é tão interessante e já fez tanta coisa diferente que tentar resumir ele em poucos parágrafos não faz juz.

Uma espécie de "resumo executivo" sobre o Nick cave: ele é Australiano, filho de um pregador, que é ele mesmo uma espécie de pregador lunático misturado com um demônio ao mesmo tempo. Só morou em cidade bacana deprê depois que saiu da Austrália - Londres, Berlin e São Paulo.Diz a lenda que já teve 16 overdoses; era um sério candidato a "morrer no palco" no início da década de 80; hoje é um senhor austero de terno que canta sentado no piano e faz isso ser tão intenso quanto a época mais rock dele.Além de músico é escritor (dá para ver pelas letras dele), muito bom com temas fortes como amor obssesivo, morte, religião, sofrimento ("there'll always be suffering - it runs through life like water"). É roteirista (se você viu o faroeste The Proposition, foi escrito por ele). A sua inconstância aparente é no fundo uma grande constância, porque ele é comprometido com o que está sentindo no momento: por isso sempre faz um disco diferente do anterior, e sempre faz um disco excelente.Nunca vi o mesmo artista ser usado para embalar fossa e colocado em festa ao mesmo tempo.Vou tentar acompanhar de forma geral as viagens dele:

Nick Cave 1.0
Produto de uma da épocas mais fodonas do rock para mim, a época do post-punk no início da década de 80, quando surgiram várias bandas que queriam aproveitar os conceitos do punk mas experimentar com o som em vez de ficar eternamente repetindo os Ramones, o Nick Cave começou a tentar destruir o mundo no Birthday Party.Ser muito barulhento e caótico é fácil (peça para todo mundo na sua banda espancar seu respectivo instrumento), mas ser muito barulhento e caótico de uma maneira realmente perturbadora, ao mesmo tempo visceral e interessante, é para pouquíssimos. O som do Birthday Party bem no fundo mesmo é baseado no blues, mas não tem NADA a ver com BB King: é um blues mais primitivão e basicão, sem nenhum daqueles clichês que vieram depois. Você escuta Birthday Party e parece que é alguma coisa prestes a explodir. A maioria dos shows deles terminava em quebra-quebra.Num show estavam jogando coisas na banda; eles gritaram "joga dinheiro" e piorou porque começaram a jogar moeda nos caras; eles gritaram "então joga drogas" e aí jogaram um monte de pílulas no palco. Eles tomaram e quase morreram :-)Imagine o Nick Cave nesta época: alto, pálido, magrelo, tocando sem camisa sangrando no palco com "HELL" escrito em vermelho no peito, parecendo um pregador alucinado te avisando que o mundo já acabou e você nem percebeu.

Nick Cave 2.0
Depois do Birthday Party desintegrar, começou uma carreira solo com sua banda (Bad Seeds). Era tão intenso e from hell quanto, mas em espírito; musicalmente falando, era mais contido, mais para tensão do que para explosão. Mas, pô, era tenso mesmo.O legal é que Bad Seeds não é bem uma banda de rock, é um som baseado em formatos mais antigos, a banda é baseada em piano e violino, guitarra nem aparece muito, e mesmo assim são mais pesados que muita banda de metal. Aliás o guitarrista dos Bad Seeds é o Blixa da banda alemã Einstürzende Neubauten, outra que eu gosto muito e ainda vou postar aqui.Dizem que no primeiro show do Nick Cave depois do Birthday Party um cara gritou da platéia "vocês deviam ter se matado no palco!" e ele respondeu "nós tentamos!".

Nick Cave 3.0
Mais ou menos na altura do disco Tender Prey o som dos Bad Seeds deu uma acalmada e se tornou o som que eu considero "mais Nick Cave" de todos. Parece música antiga (aliás, parece atemporal), é muito sóbrio, às vezes bem dark e muito bonito ao mesmo tempo.As letras são muitas vezes super desesperadas (e bem escritas) e lidam com aqueles temas que o Nick Cave é mestre. Aliás, ele também aprendeu a cantar de uma maneira bem bonita a partir dessa fase.O Nick Cave nunca deixou a bola cair, mas essa fase são os melhores discos. Ele inclusive deu uma semi-estourada com o disco Murder Ballads (que só tinha músicas sobre amor que termina em morte).

Nick Cave 4.0
Depois de namorar por pouco tempo a PJ Harvey (minha cantora favorita...) e terminar, na deprê do fim do relacionamento ele escreveu um disco inteiro só de baladas no piano (The Boatman's Call).Como tudo que o Nick Cave faz, até nesse formato ele é super intenso. O disco é um dos mais bonitos que eu conheço e inicia uma fase dele em que ele fica explorando esse som por alguns discos.Melhores músicas da história para ouvir com sua namorada ou para chorar sozinho no escuro.

Nick Cave 5.0 (atual)
Depois da saída do Blixa da banda, o velho endoidou e decidiu que queria tocar rock de novo. Isso começou no disco Abattoir Blues e depois ele comprou uma guitarra (nunca soube tocar antes) e fez uma banda com um som total barulhento de garagem (Grindermen), só que um milhão de vezes melhor que 99% das bandas barulhentas de garagem do mundo.Os discos recentes do Bad Seeds começaram a ter guitarra pra valer e a ficarem até dançantes - um lado mais pop mas como todo o resto, bem feito demais e intenso.

Além disso ele agora é bigoney e se o bigoney falou você tem que fazer.

Comece por - a maioria das pessoas começa a gostar do Nick Cave pelo Murder Ballads
Disco mais Nick Cave - difícil, talvez o Let Love In ou o Henry's Dream
Mais bonito - para mim o No More Shall We Part
Mais from hell - From Her to Eternity (ou então apela e pega o Birthday Party ao vivo logo)
Mais divertido - Dig Lazarus Dig
Não deixe de ouvir - todos!!!
Não comece por - Nocturama
(quando pegar algum disco dele não deixe de escutar sacando as letras é essencial)

2 comentários:

shibuya disse...

Nick Cave deveria ter uma categoria própria! Algo como>: The Maximum Commander of the potato field from beyond!!!


E o disco mais legal pra se começar é o Henry´s Dream!!! Henry´s Dream comanda!!!

Mirian Silveira disse...

Para mim o disco mais bonito é THE GOODSON