quinta-feira, 19 de junho de 2008

As gravadoras subiram no telhado - parte 1/2

Tem anos - décadas - que as grandes gravadoras são uma espécie de satanás dos músicos, assim como os grandes estúdios são o satanás dos cineastas.
Hoje está nascendo outra relação com música que é extremamente desfavorável a elas e, ao meu ver, favorável aos artistas. Por isso digo "wooohooow" e apoio 100% qualquer ação que leve isso adiante e faça as gravadoras caírem do telhado logo.
Eu acho que dentro de 10 anos, pelo menos da forma que conhecemos, elas vão para o saco. E outras mídias vão seguir. E todo mundo vai sair ganhando.

O fato é, indústrias como essas operam em uma "área cinza" que é complicada por natureza - a interseção entre estar trabalhando com expressão, sentimentos, honestidade, ARTE, e a necessidade de fazer dinheiro. Como diz o Al Jourgesen, gravadoras são administradas por contadores de feijão, e não por pessoas que tem qualquer contexto artístico.

Isso significa que as gravadoras não se importam com a música que estão lançando. No fundo, gravadoras não tem NADA contra "arte" ou contra qualquer coisa que seja culturalmente/humanisticamente relevante: se vender, tá ótimo.

Acontece que, historicamente, tomaram o rumo mais óbvio e fácil de partir para o maior denominador comum. Não estou defendendo música "inteligente" ou "sofisticada" igual a maioria das pessoas cai quando argumenta sobre isso - mas estou defendendo música relevante, ou seja, por mais besta que seja (muitas vezes uma música só tem que divertir e só) que não seja a trilionésima repetição da mesma coisa, que tenha algum grau de criatividade e honestidade.
A relação entre criatividade e a facilidade de absorver a música costuma ser desfavorável porque o novo causa estranheza - então quanto mais manjado e "absorvível" a música mais pessoas vão gostar, pelo menos a curto prazo.
Some isso com o fato da maioria das gravadoras serem conservadoras e morrerem de medo de correr riscos e resultado: ligue o rádio e dê uma passeada pelas estações. Só isso. Entendeu?

Em defesa das gravadoras, se elas não querem falir precisam de fato ser conservadoras, porque o público é conservador. 99% das pessoas são zumbis culturais - não tem real interesse de se aprofundar em nada (aqui não estou falando só de música) a não ser o que tem impacto direto na sua vida - na maioria dos casos nem isso.
Ou seja, uma cidadão típico que trabalha com computação PODE se interessar por se aprofundar em Java (ou nem isso), mas está mais que satisfeito em ver só filmes que vai absorver com facilidade e esquecer meia hora depois, em não ler nada ou ler um livro por ano (também de fácil absorção e de preferência o mesmo que todo mundo está lendo), de ouvir só música igual e superficial que ele por acaso viu tocando no Faustão.

Para não cair na obviedade, registro aqui que, no fundo, na verdade não me importo com isso. Cada um tem a relação que quiser com cultura - e as pessoas que demandam algo mais profundo vão sentir falta em algum momento e acabar procurando sozinhas, independente do monopólio de poucas empresas na indústria cultural.
A gravadora vai colocar um disco do Capital Inicial que é uma merda mas vai vender para esses 99% ou vai apoiar um artista com mais conteúdo que vai agradar aos outros 1%?

Na verdade a gravadora poderia arriscar com os 1% se tivesse qualquer outro interesse além do foco em $ - para mim é a falha fundamental do capitalismo, o fato do dinheiro ser o ÚNICO e SOLITÁRIO estímulo para QUALQUER coisa acontecer - mas isso é outra discussão mais profunda ;-)
E às vezes arriscar funciona - prova é o fato de uma banda como o Radiohead que tem muitas tendências experimentais provocou colapso no sistema de telefonia da Austrália quando começou a vender ingressos para shows lá.

3 comentários:

Luiz Augusto disse...

Tb acho q esse trem vai mudar pra bem melhor! O problema das gravadoras realmente é o foco SÓ na grana, mas tem gravadora q procura foco em qualidade tb (hehe, a maioria fundada por artistas).

Essa discussão do capitalismo é q rola de desenvolver tb, pq eu já acho q o negócio do foco só no dinheiro não é um problema do sistema em si, mas das próprias pessoas. Do mesmo jeito q tem um socialismo bonitinho q funcionaria se todas as pessoas fossem boas e íntegras, existe tb um capitalismo que pode ser justo, que depende dessas mesmas qualidades. O q me faz achar q o capitalismo é melhor q o socialismo é q no capitalismo vc depende MENOS dessas características, pq pelo menos existe mérito.

André Carneiro disse...

Acho que tenho uma opinião alinhada com a sua, só faço uma ressalva: A tecnologia hoje permite que as bandas (pelo menos as que querem) não tenham gravadoras. Mas isso só se tornou possível de um tempo para cá. As gravadoras, na minha opinião, tiveram seu papel na história, justamente porque trabalhavam com escala. Imagina os Beatles (só um exemplo que pensei rápido), como banda, se preocupando com impressão de vinil, fotografias, capa, livreto, logística pro mundo inteiro. Não ia acontecer, porque provavelmente sem gravadora, naquela época, eles não seriam tão conhecidos no mundo, concorda? Além disso, eles passariam muito mais tempo ocupados com as vendas, do que com a música. Mas se Beatles não serve como exemplo, peguem qualquer outra banda ou cantor há 40 ou 50 anos atrás. Dá na mesma.

André Carneiro disse...

Contudo, a tecnologia surgiu, o computador pessoal, mais recentemente a Internet e mais recentemente ainda o MP3. Muito mais recentemente ainda, bandas descobriram que podem usar isso a seu favor, como Radiohead. E aí bateu. A gravadora se torna obsoleta, porque ela não é mais a única forma de divulgação possível. Imaginem quando os carros tiverem conexão com internet e você possa ouvir uma rádio online que seu vizinho seleciona as músicas e solta o IP... Seria um novo modelo, ou no marketing poderia se dizer, um "produto substituto" à gravadora. Porque ainda hoje ela só serve para o que fez por décadas: grava, imprime em larga escala, paga jabá para difundir e fica com a maior parte dos dividendos. E não acho que seus custos sejam baixos... É um modelo falido porque a tecnologia evoluiu, mas só por isso. Afinal, quantas cantoras somalianas (outro exemplo chutado) a gente conhece? Devem haver cantoras por lá, mas não tem nenhuma gravadora fazendo a música delas chegar aqui. Talvez porque o país esteja tipo uns 100 anos atrasado.